AS CHUVAS DE BELÉM
As
chuvas de Belém para mim são como lágrimas de emoções, que sempre lavam minha
alma e infla meu coração, hoje que a cidade morena comemora seus trezentos e
noventa e oito anos de sua fundação, a chuva aqui caiu mais cedo, por volta das
quatro horas da madrugada despencou um temporal, alagou algumas ruas, causou
enchente nas baixadas, mas encheu mesmo foi de muita emoção e saudade o meu
saudosista coração.
Hoje acordei com a
melodia maviosa da chuva caindo nos telhados dos vizinhos com seus pingos
intermitentes, pulei da cama e corri para a porta da rua para ver a chuva açoitando o asfalto que hoje
pavimenta a rua onde nasci, porém na época não havia saneamento nas ruas dos
subúrbios de Belém; em seguida fui apreciar a chuva no quintal de minha casa,
uma pena que não tenha mais aquela frondosa mangueira que abastecia de frutos,
além do nosso quintal, os quintais dos dois vizinhos que ladeavam nossa casa (
barraco de pau a pique), onde outrora me deslumbrava vendo os pingos da chuva
açoitando as folhas da mangueira e de vez em quando derrubava algumas mangas
maduras provocada pela ventania de nosso “inverno amazônico”, embora fosse
verão no hemisfério sul. As mangas caídas eram colhidas pela molecada dos três
quintais, nós, de casa, as comíamos com muita satisfação, passando a manga na
farinha de mandioca dentro de uma cuia “pitinga”, muitas das vezes matávamos
nossa fome com aquele alimento que reforçava nosso minguado café da manhã.
Tive muitas lembranças neste dia: de jogar bola (futebol)
na chuva no meio da rua ou no campo do Sacramenta, de brincar de bandeirinha na
rua, de mergulhar na enxurrada da vala que a “chuva grossa” produzia, não
pegávamos doença, éramos imunizados por Deus, sem sermos vacinados.
Quanta saudade eu tive hoje de minha infância indigente,
quanta saudade dos tempos idos, já faz mais de meio século que corríamos
livremente nas ruas do bairro da Sacramenta ( nome derivado do último
sacramento), hoje sou um cidadão que podemos dizer possuidor, pois já saí da
indigência, mas tenho receio de sair na porta de casa onde nasci e me criei, pois
vivemos sobressaltados e não vislumbro uma saída para minguar a violência que
campeia na minha rua, no meu bairro e na minha cidade.
Que pena! Mas ainda assim parabéns Belém das frondosas
mangueiras, cidade de pessoas hospitaleiras, pelos seus trezentos e noventa e
oito anos de existência. Espere-me nos seus quatrocentos anos.
O autor é poeta integrante da ACLA titular da Cadeira Nº 7