A mentira inventada
A pequena criatura circulava pelo quarto parecendo um bichinho acuado. Aflito torcia as mãos e a mente trabalhava ferozmente. Aquele menino sabia que se contasse a verdade ao pai, pior que a bronca, só o castigo de no mínimo um mês sem televisão. E como o caso não ficaria encoberto por muito tempo o jeito seria inventar logo uma mentira. Instintivamente pensava “Mas não pode ser qualquer mentira, tem que ser “A MENTIRA”. Deixou-se levar em silêncio, fixou - se ao passar diante do espelho. De repente um estalo, os olhos brilharam e o pequeno rosto iluminou-se refletindo um sorriso tipo “já sei”! Como não pensei nisso antes? É agora ou nunca” – soprou entre a falha dos dentes – e correu para a sala.
O pai recostado no sofá lia o jornal, totalmente encoberto pela folha. O menino aproximou-se e para chamar a atenção derrubou uma estatueta de estimação da mãe.
- Que é isso menino? Tome jeito – repreendeu – o baixando o jornal - Veja o que você fez... Limpe já isso!
- Sabia pai que eu sou inventor?- Disse o menino prontamente – aproveitando o ensejo.
-É “Professor Pardal”? – diz o pai em chiste – já de volta a leitura.
- Sim, e dos bons! – continuou o menino empolgando-se nos breves minutos da atenção do pai – Um homem de futuro. Um dia desses sairá na primeira página dos jornais, não só neste que o Senhor ta lendo, como também em outros do mundo inteiro “O Inventor de Mentira”. Todas em letras garrafais seguidas da manchete “Grande avanço no mundo das invenções. O menino que inventou a mentira tem apenas sete anos, filho de Seu Juca e bla, bla, bla”...
Seu Juca baixa outra vez o jornal e protesta.
- Deixe-me ver. Você agora é inventor, mas de mentiras... É isso mesmo que entendi? Não pode ser... Com tantas coisas boas pra inventar vai querer ser logo, inventor de mentiras? Hum, hum... A mentira tem pernas curtas, sabia? E que mentira é essa que vai lhe trazer tanto sucesso assim?
- Pois é... Não é maravilhoso! - disse o menino entusiasmando-se – hoje na aula a professora pediu uma redação com o tema “A melhor mentira”
- E posso saber qual foi essa tua tão fantástica? - disse o pai já querendo indiciar aquela infração – Vê lá hein? Mentira é sempre mentira, costuma trazer conseqüências sérias para o mentiroso e...
- Não pai! Existe mentira e mentira – interrompe o menino de imediato desapontando-o
- Veja bem! Comecei pensado ”Preciso inventar uma que convença!”.
-Aí...? Sabe o seu relógio de estimação? Aquele que o vovô lhe deu quando o Senhor fez vinte anos em mil novecentos e sessenta... Setenta... e... Bom... Deixa pra lá. E que vive guardado a sete chaves. Lembra né...? Pois é... . Inventei que perdia ele. E eu contava a verdade e o Senhor nem ficava bravo, não dizia nada, nadinha mesmo... E até me elogi...
Interrompeu-se mordendo o lábio inferior e lançando ao pai um olhar de desespero.
Fez-se pesado silêncio entre os dois. O menino crispou a boca na linha de defesa. O pai examina-o cuidadosamente de cima a baixo e dando - se por vencido desfecha.
- Não sei não... Menino você tem futuro, hein?
E voltou a ler.
Autora: Maria Ioneida de Lima Braga, escritora Capanemense residente na cidade de Niterói / RJ . Esta obra esta sendo publicada na antologia editada pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores – CBJE
Nenhum comentário:
Postar um comentário