AS COISAS MUDAM DE IMPORTÂNCIA
Laura
sentia o cheiro forte de angustia verdadeira das que são capazes de causar
ataques anafiláticos em mulheres com a sua presença de espírito. Hoje a culpa
era por não ter conseguido sair do trabalho a tempo de participar da reunião do
filho na escola, mas já tinha sido essa semana, por causa da bagunça da casa,
da manicure que era lenta, por trabalhar de mais, por não poder comprar aquele blazer
branco, por que constituição era tão ultrapassada nesse país e por que o marido
não a ajudava na educação das crianças:
_ Eu educo! Você deseduca!
_ Se eu deseduco você não está educando!
_ Acho que vou sumir!
_ Calma! Calma! Você precisa relaxar!
Eram
sempre essas palavras que ele dizia, quando ela previsivelmente usava o verbo
sumir, intransitivo. Ele pensava que uma mulher é uma espécie de touro em uma
arena só que precisa manter o cowboy o tempo todo equilibrado em seu lombo,
esse cowboy e o mundo todo, manter esse equilíbrio dominador é muito mais
difícil do que derrubar em menos de oito segundos. Laura era assim, ela carregava o mundo nas
costas como todas as mulheres. Isso não é fácil, mas assim como todas as
mulheres, não percebem ou sentem que fazem isso, para ela era só viver! Não se pode livrar uma alma de seu inevitável
destino, onde suas ações serão julgadas e jogadas no limbo ou no paraíso. Mas
ele estaria lá em qualquer um que fosse os destinos de Laura para dizer, Calma!
Calma! Você precisa relaxar!
Quando
as lágrimas secassem, choraria medo, pois esse era o sentimento que a transfigurara,
medo maior do que qualquer medo que sonhou que fosse capaz de sentir. A cama
dele não parecia confortável assim como a cadeira que ela havia dormido todas
aquelas semanas. Laura permaneceu ali, ficou lá, por que lá fora mesmo que o
sol estivesse nascendo todas as manhãs. Ela só escuridão via. Ficou por que no
cantinho do jardim da casa deles tem um coração pintado em pellet pendurado no
muro atrás do banco que tomavam café aos sábados, foi ele que pintou aquele
coração. Laura ficou na naquele quarto de hospital por que nada era mais
importante que ver seus olhos e enxergar neles o paraíso que tanto tentava
chegar do seu jeito.
Na arena
agora estava o cowboy e touro no cão! Laura não conseguiu manter o equilíbrio
que de tanto buscar já tornara- se parte dela! Estava deitada na areia da
arena, tinha sido pisoteada pelo cowboy, mas isso nunca fora de verdade
importante. Gastou tanto tempo na grandiosa ação de manter o controle, que nem
passou- lhe pela cabeça que houvesse grandeza em está no chão. Enxergar a arena
de cima para baixo, simplesmente relaxada!
Ela
contou e recontou os detalhes do rosto dele e mesmo com as cicatrizes que o
faziam tão delicado agora, ele era lindo, como nas manhãs quando dizia que ela
era a mulher de sua vida! Quando soube do acidente com o marido o coração bateu
fora do peito, quando entrou no hospital, suas preocupações, medos nada mais
existam, foram substituídos por uma dor que tomava conta da alma. Ela sabia que
as coisas mudam de importância, que pouco a pouco cresceria, não mais para
cima, mas largo e no coração. Quebrar casulos doe, às vezes até saímos
machucados por ter que pouco a pouco por a cabeça para fora, para o mundo e
para o novo.
Valdete
Gomes
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