quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

I SEMARC - 3º lugar no concurso de Contos 2013



AS COISAS MUDAM DE IMPORTÂNCIA
         Laura sentia o cheiro forte de angustia verdadeira das que são capazes de causar ataques anafiláticos em mulheres com a sua presença de espírito. Hoje a culpa era por não ter conseguido sair do trabalho a tempo de participar da reunião do filho na escola, mas já tinha sido essa semana, por causa da bagunça da casa, da manicure que era lenta, por trabalhar de mais, por não poder comprar aquele blazer branco, por que constituição era tão ultrapassada nesse país e por que o marido não a ajudava na educação das crianças:
_ Eu educo! Você deseduca!
_ Se eu deseduco você não está educando!
_ Acho que vou sumir!
_ Calma! Calma! Você precisa relaxar!
       Eram sempre essas palavras que ele dizia, quando ela previsivelmente usava o verbo sumir, intransitivo. Ele pensava que uma mulher é uma espécie de touro em uma arena só que precisa manter o cowboy o tempo todo equilibrado em seu lombo, esse cowboy e o mundo todo, manter esse equilíbrio dominador é muito mais difícil do que derrubar em menos de oito segundos.  Laura era assim, ela carregava o mundo nas costas como todas as mulheres. Isso não é fácil, mas assim como todas as mulheres, não percebem ou sentem que fazem isso, para ela era só viver!  Não se pode livrar uma alma de seu inevitável destino, onde suas ações serão julgadas e jogadas no limbo ou no paraíso. Mas ele estaria lá em qualquer um que fosse os destinos de Laura para dizer, Calma! Calma! Você precisa relaxar!
       Quando as lágrimas secassem, choraria medo, pois esse era o sentimento que a transfigurara, medo maior do que qualquer medo que sonhou que fosse capaz de sentir. A cama dele não parecia confortável assim como a cadeira que ela havia dormido todas aquelas semanas. Laura permaneceu ali, ficou lá, por que lá fora mesmo que o sol estivesse nascendo todas as manhãs. Ela só escuridão via. Ficou por que no cantinho do jardim da casa deles tem um coração pintado em pellet pendurado no muro atrás do banco que tomavam café aos sábados, foi ele que pintou aquele coração. Laura ficou na naquele quarto de hospital por que nada era mais importante que ver seus olhos e enxergar neles o paraíso que tanto tentava chegar do seu jeito.
      Na arena agora estava o cowboy e touro no cão! Laura não conseguiu manter o equilíbrio que de tanto buscar já tornara- se parte dela! Estava deitada na areia da arena, tinha sido pisoteada pelo cowboy, mas isso nunca fora de verdade importante. Gastou tanto tempo na grandiosa ação de manter o controle, que nem passou- lhe pela cabeça que houvesse grandeza em está no chão. Enxergar a arena de cima para baixo, simplesmente relaxada!
       Ela contou e recontou os detalhes do rosto dele e mesmo com as cicatrizes que o faziam tão delicado agora, ele era lindo, como nas manhãs quando dizia que ela era a mulher de sua vida! Quando soube do acidente com o marido o coração bateu fora do peito, quando entrou no hospital, suas preocupações, medos nada mais existam, foram substituídos por uma dor que tomava conta da alma. Ela sabia que as coisas mudam de importância, que pouco a pouco cresceria, não mais para cima, mas largo e no coração. Quebrar casulos doe, às vezes até saímos machucados por ter que pouco a pouco por a cabeça para fora, para o mundo e para o novo.

Valdete Gomes

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